sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

porque os sonhos não morrem em vão

E as flores teimam em nascer e as esperanças não desistem

A leve brisa que refrescava o meu campo de flores, onde estão enterrados os meus sonhos, foi substituída por ar parado, pesado e quente. Como manto que, umedecido por inúmeras gotas de desilusão, encobriu esta pradaria cujos ornamentos coloridos velam por devaneios e paixões que um dia habitaram em minha alma.

Sob o cobertor sufocante, as flores perderam o viço e suas pétalas murcharam levemente. A terra que as alimenta é fértil, enriquecida por vitaminas que um dia estiveram nas fantasias hoje putrefadas. Aparentemente frágeis, elas hão de sobreviver ao quase fétido ar que hoje as tenta esmagar, pois é nesta terra plena que têm raízes profundas e fortes.

Noutro canto, terreno árido e pobre, vergam-se e morrem as esperanças daninhas. Elas, que eram abundantes e nasciam fáceis, agora não têm nada que as sustente, este solo não as quer e sua constituição é ordinária; seu verde desbotado e barato. Ressequidas, anseiam pelo frescor das lágrimas que não tenho -- e as últimas foram ásperas, amargas e salgadas, láudano escorrendo da minha alma entorpecida.

Durante dias breves demais, eu sonhei com um Urso -- ele, que se revelou criatura estranha, cuja essência em nada se assemelha com o que eu queria. Meu Não-Urso é anguloso e cultiva com prazer suas certezas absolutas; é contido em demasia, mas suas patas adquirem força que ele não consegue direcionar. Em um dos seus bruscos movimentos, ele quase me condena irremediavelmente à solidão e declara, decisivo, que me será impossível encontrar amor -- seja homem seja Urso, segundo aquele que não é, é pouquíssimo provável que encontre um que se digne a me amar.

É firme e duro o Não-Urso, mas a resistência é o meu reino e repudio com veemência suas palavras, que ele profere como quem amaldiçoa. A persistência está embutida nos ossos da Fênix, que teima em renascer após ciclos de vida e morte violentos e restauradores. Rechaço seu determinismo arrogante, ele que nada sabe, ele que mesmo sendo Não-Urso, hiberna como um - e se esqueceu de acordar.

Nos dias em que o calor é tal que abafa a aragem, me recordo do que ele disse, e vergo como as pétalas das flores que adornam os túmulos dos meus sonhos. É quase como praga que se abate sobre mim e contamina meus olhos, que enxergam na minha pradaria apenas o cemitério onde apodrecem os sonhos mortos, esfaqueados, abortados ou fenecidos e desnutridos. Mal consigo reparar a cor das flores e é sob a ausência dos meus olhos que elas murcham, vencidas pelo calor e pela desesperança.

Passam as horas e eis que surge ameaça -- ou promessa? -- de brisa. E como as esperanças daninhas pouco necessitam para sobreviver e porque a persistência quase cega é a minha essência de Fênix, eu ouso acreditar novamente em amor. Em merecer, encontrar e me realizar no amor.

E, se este for mais um sonho vão e morrer, nascerão outras flores para enfeitar e perfumar meu terreno.
(22/12/2006)

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