O que se escondia a sete palmos de terra pode ter já se decomposto.
Não vejo, mesmo. O que tem a oferecer? Nada vi, ainda. E não pense ou se atreva a dizer que não posso reconhecer o que não seja amor.
Eu vi um homem no escuro de si mesmo; um homem que não arrisca e não ousa - e usa como álibi o falso argumento que já sabe o que virá. Eu vi um homem desinteressado e que luta busca desesperadamente por um tapa, um soco ou uma estocada que o retirem do poço em que se enfiou.
Eu vi as muralhas deste homem e as armas que coloca à volta delas. Eu as senti na minha pele, na minha carne. Eu vi esta criatura presa entre pedras, de tal forma que já nem sei o que é pedra, o que é homem. E eu ouvi seu pedido de socorro, sussurrado, atormentado e entrecortado. E seus apelos e sua necessidade de salvação.
Quando eu pedi por troca, quando eu perguntei o recíproco, ele encolheu-se atrás da decepção. Este homem que tanto se esconde ousa se decepcionar porque não consigo enxergar através das pedras que ele mesmo cravou ao redor do seu corpo. E quando eu insisti, ele, cuja carne está engastada com tantas pedras, veio falar em leveza e suavidade.
Ele que pesa feito chumbo, ele que solta suas flechas sem piedade, veio em falsa e pouco enganadora brandura. Pouco resistiu sua farsa aos meus olhos que sabem demais. Despiu-se sem pudor da veste que lhe enfeiava as pedras e cerrou seu fogo - porque são minhas garras que ele quer. Ele não se importa em usar sua sensibilidade para ser mais letal na crueldade - porque quer meu contra-ataque. Porque quer meus olhos amarelos e flamejantes, minhas palavras ferinas e minha ironia pontiaguda. E, assim, ele acha que encontrará um caminho que o liberte das suas pedras.
Ele mal sabe o que tem a me oferecer - desconfio que nada quer me oferecer. Finge que arrisca e nunca sai da sua pétrea prisão. E eu, que tanto quero, me recuso. Não aceito pedaços ou migalhas, não aceito o pouco, não aceito o mal dito nem o maldito. Eu quero tudo. Ele insiste com suas ofertas, que me soam como penumbra, brisas e névoa. Quais ofertas? Novamente, ele se decepciona com a minha incapacidade de enxergar o que não existe.
E a impressão que me deixa permanece a mesma de ontem e de tantos outros dias: ele quer a minha mão e a minha força; ele provoca até que as tem. Mas, me canso a ponto da exaustão, ele que demanda quase toda minha energia, minha emoção. Nada me oferece. Peço, pergunto e a resposta é: nada.
Sua proposta de leve amizade não se mantém, pois busca em mim o brusco, o golpe, o movimento que o desordena. Para, quem sabe, conseguir se libertar de suas pedras. Talvez, ele descubra que nada há sob elas.
E eu, Ave e Monstro já tão cansada, não farei os movimentos que ele precisa. Hoje, eu escolho fazer movimentos para quem pode me retribuí-los. Hoje, eu quero que o amor venha, sob qualquer forma, mas que venha como amor, que venha recíproco. Que não me seja necessário esvair minha última gota de sangue para conquistar novos amores. Que meus novos amores, de todas as modalidades - amigos e homens - possam me dedicar a delicadeza e o cuidado que eu mereço.
Penso que, talvez, ele nada tenha a me oferecer. Que suas pedras afundaram demais o homem.
segunda-feira, 4 de dezembro de 2006
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