sábado, 19 de agosto de 2006

as plumas douradas do desejo

Há que se destruir a estátua feita de cinzas: ela é enganadora.

Como a fênix suporta seu interminável ciclo de morte e renascimento? Vive por cinco séculos, morre e renasce a partir das suas próprias cinzas, a nova fênix, paradoxalmente a mesma que morreu. Que realmente não é a mesma, pois a cada ciclo de 500 anos respira outras ares, cultiva diferentes sonhos, chora por outras desilusões.

Parece que nunca foi vista uma fênix pairando pelos céus do Egito e da Arábia, muito menos pelo poluído céu paulistano. Será que se cansou do eterno ciclo morrer-renascer e o interrompeu? Ela é conhecida através dos seus retratos: aparece sempre como uma ave bastante semelhante à aguia, com plumagem exuberante, porém, vermelha e dourada. Ruiva e re-nascida.

Como esta Re-nata aqui, cuja alma já não consegue elaborar novos sonhos, cansada de tantos ciclos de fênix. Como criar novas ilusões, sabendo que a maioria delas terá fatalmente como destino o naufrágio em alto mar ou os sete palmos de terra mais a pá de cal? É sedutor demais não sonhar, não almejar, não ansiar, evitando, assim, o risco da decepção. Sedutor e enganador, pois não seria, assim, um renascimento. Seria como se a fênix recolhesse suas cinzas e as moldasse em estátua na forma do corpo antigo, ao invés de reconstruir-se a partir delas. Seria uma representação morta de fênix, sem asas, sem plumagem de fogo, sem vida.

Não quero renascer, estou cansada do meu interminável ciclo: já nem sei mais quais sonhos sonhar. Já não sei mais o que quero, do que gosto, o que me satisfaz. Pelo quê lutar? A exaustão é tamanha que cega e ando às escuras, ainda um arremedo de Renata, atrasando minha reconstrução.

Com decepção, me vejo vivendo como aqueles por quem tanto me angustiei, escravos de um conjunto de neuroses e regras que os posiciona no mundo. Quero voar, não serei prisioneira de mim, estátua moldada em cinzas de antigos sonhos. Daonde virá a força que preciso para sonhar? A fé, a coragem, a esperança... Não esta esperança cinza, esta esperança resignada, este saber que assim é a vida e mais não há...

Viver assim é como morrer em vida, é perambular pelas ruas de São Paulo como um espectro, um fantasma que raramente reflete o arroubo de que era feito, as chamas da sua alma e do seu querer representadas por cor esmaecida e triste.

Reconstruir-se após a depressão é um longo processo. É preciso esquecer aqueles sonhos e ilusões enterrados ou naufragados. Não, talvez nem me lembre tanto deles. Lembro da quantidade de sonhos que foram mortos, apenas... Voltar a viver é poder voar, arriscar, querer, ansiar, desejar. Redescobrir ou recriar o desejo. O que eu quero?

Sair da ausência em si traz já enorme conforto. São os primeiros sinais de esperança, do sentir e do querer que se apoderam da nossa alma. O risco é se acomodar com os primeiros sinais, com a esperança meramente rascunhada, cujos traços mais marcantes são os da desilusão e da descrença.

Um segundo a mais que se permaneça neste estágio transforma o conforto em tortura. O corpo que não serve em mim, a alma que não suporta este corpo, um coração estranho a bombear sangue e vida pelas minhas veias tortuosas e quase revoltadas. Vida!, elas pulsam, vida!, queremos vida! Queremos que o sangue em nós corra como lava, aquecido por anseios, amores, desejos e, sim! Sim, também as tristezas e decepções que compõem esta jornada. Maldita ou bendita, nós queremos o movimento dos vivos.

A estátua não me serve, não a quero. Agora, mal consigo escapar do refúgio que nela fiz no primeiro momento. Mas, sei que urge o dia em que meus olhos se abrirão mais inocentes, meu corpo mais ágil, adornado com as plumas douradas do desejo. Com o arroubo daqueles que renasceram.

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